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 “Meditação Prática” 1

Swami Bhavyananda

 

 

1 – Para que a meditação produza frutos a mente tem que estar calma, e para que a mente se torne calma temos que conduzir nossa vida e nossas atividades normais de maneira pacífica.

 

2.- Uma atitude de oração em relação ao trabalho é de grande ajuda; em qualquer atividade que estivermos ocupados devemos praticar a todo momento e em todas as situações a percepção da presença divina.

 

3.-Muitas das nossas tarefas não necessitam a atenção e a importância que lhes dedicamos e desperdiçamos com isso muito do nosso tempo.

 

4- Introduzir o ato de recordar a Deus em nossas ocupações diárias ajuda a bloquear o acesso de mais de um pensamento que nos distrae e que pode nos perturbar. Muitos são os desejos inúteis e as vezes daninhos que costumam surgir em nossa mente e que podem ser controlados facilmente mediante a técnica de concentração mental em Deus.

 

5.-Para conseguir a meditação concentrada em Deus é essencial uma vigilância inflexível sobre nossos atos diários de pensar, sobre nossas palavras, ações, pensamentos, caráter e coração.

 

6.- Aqueles que tem praticado a meditação por certo já se deram conta de que é grande o esforço que se necessita para praticar esse ato. É natural que a mente salte de uma percepção à outra. É realmente difícil colocar a mente onde se deseja e mantê-la ali, fixa. Quer admitamos ou não, a condição de nossa mente depende muito do estado do corpo. Se o corpo não for saudável e não estiver em  condições de ser disciplinado, é praticamente impossível aquietar a mente.

 

7.- A oração  e o japa (repetição de um nome sagrado ou mantram)  são meios muito eficazes para conseguir a concentração mental e experimentar a consciência divina. A oração nem sempre precisa ser uma expressão formal; pode-se falar com Deus de uma maneira direta e expontânea, nesse ato pode-se abrir o coração com se faria a um amigo de confiança. Sem nenhuma reserva ou barreira deveria-se conversar com o Senhor. As orações a Ele dirigidas deveriam ser espontâneas, livres e saídas do coração. ...Em qualquer sistema de meditação a oração e o japa tem um papel muito importante. Embora, algumas pessoas podem ser capazes de concentrar as suas mentes no ser superior mesmo sem japa, como diz Patanjali. Todavia, a repetição do nome sagrado parece ser a prática mais adequada para a maioria das pessoas.  Como resultado da prática contínua de repetir o mantra a mente se estabiliza e se concentra para finalmente sentir a presença de Deus. O japa ocupa um lugar importante tanto na tradição vedântica como no sistema de yoga. O mantra é um nome sagrado recebido, seja numa visão, ou como resultado da realização de Deus. Os videntes que tiveram essas vivências são conhecidos como mantra drashta (videntes de mantras). Esses videntes tendo recebido esses mantras, os usaram efetivamente em suas vidas e os transmitiram a seus discípulos, os quais por sua vez os comunicaram as gerações subseqüentes. Dessa maneira tais mantras, tendo-se tornado potentes em virtude de seu uso prolongado, tem se constituído em uma fonte de vivências profundas para os aspirantes espirituais, tanto no passado como no presente.

 

“Meditação Prática”  2

Do livro “Meditação – Método e Prática”

Swami Ashokananda

 

 

1.- Creio que através da meditação, que é o ininterrupto fluxo de um mesmo pensamento em Deus, pode-se alcançar facilmente o Altíssimo. A mente acaba sucumbindo diante de um pensamento ao qual é submetida sem interrupção por um período de tempo prolongado. Se infundirmos de uma forma contínua na mente um determinado tipo de consciência – qualquer quer seja a condição da mente no início, seja ela espiritual ou não, plena de amor por Deus ou com desejos intranqüilizantes -, com o decorrer do tempo a mudança desejada irá ocorrer.

 

2.- Em certa ocasião um homem procurou Sri Ramakrishna e lhe disse: “Eu não posso controlar a minha mente” e o Mestre assombrado lhe respondeu: “Por que não praticas abhyasa-yoga?” Trazer a mente de volta uma e outra vez ao pensamento de Deus, isso é o que abhyasa-yoga significa. No Bhagavad-Gita essa prática é enaltecida. Não importa que a mente caminhe errante no princípio, desde que você faça com que ela regresse sempre a Ele. Se pudéssemos recordar sempre esse fato, a metade da batalha com a mente estaria ganha. Mas infelizmente não o fazemos e com freqüência acabamos esquecendo por completo a busca espiritual.

 

3.- Qual é a condição adequada da mente para a meditação? Acredito que todos vocês a conhecem. É a quietude. Não é uma condição forçada da mente, senão uma calma resultante da cessação da maioria dos desejos ardentes. As coisas que perturbam a mente, sejam elas interiores, ou exteriores, estão vinculadas com nossos desejos secretos básicos. Sempre estamos tratando de realizar certos fins. Ainda que nos esforcemos desesperadamente, com freqüência fracassamos, e o fracasso perturba a mente.

 

4.- Os pensamentos que impedem a nossa mente de permanecer na presença de Deus estão unidos com os objetos de nossos desejos; só quando conseguimos nos desfazer dos nossos desejos predominantes é que a mente se torna relativamente tranqüila.  Esse estado de calma relativa é o começo de pratyahara,  que quer dizer a retirada da mente. É uma condição em que a mente, ainda que esteja ainda inquieta, está em outras ocasiões tranqüila.  A mente está inquieta quando estabelece contato com os objetos dos desejos mas quando isso não ocorre está tranqüila. Esse é um estado muito favorável à meditação. Se você descobre que a tua mente se mantém naturalmente quieta quando não está em contato com coisas perturbadoras, que gosta de estar só e que tens uma sensação de serenidade, essa condição é a mais desejável. Nessa condição você deveria dar o máximo de si na pratica da meditação e não se descuidar nunca disso.

 

O que devemos fazer se quisermos ter bom êxito na meditação?

 

a)     No princípio temos que ter um firme propósito de ser muito regular em nossa prática. Fazemos de tudo para atender nossas necessidades corporais urgentes sem nos importar com as circunstâncias; deveríamos ser da mesma forma fiéis com a prática da meditação. A meditação deveria ser tão essencial à nossa vida como o é respirar. Em meu país, quando uma pessoa está muito ocupada, costuma dizer: “Não tenho tempo nem para respirar”.  No entanto, respira. O mesmo deveria ocorrer com a meditação. Mesmo que ao princípio o desejo de praticá-la possa parecer artificial diga: “Tenho que meditar”.

 

b)     Gostaria de lhes fazer uma sugestão, pois sei que o desencorajamento aparece com muita facilidade. As vezes a mente se comporta maravilhosamente na meditação; fica calma e se concentra em seguida e vocês se sentem muito animados. Mas, em outras ocasiões a mente se comporta mal e se mantêm intranqüila com toda classe de pensamentos, então vocês poderão ser tentados a dizer: “De nada me serve meditar;  por mais que tente não consigo nada”.

 

c)      Quero dizer-lhes isto:  a não ser que tenham nascido com uma mente que tenha qualidades maravilhosas e em um estado muito avançado de desenvolvimento espiritual, estão propensos, como qualquer pessoa que tenha tentado percorrer o caminho, a essas flutuações da consciência. Não permitam que isso lhes desanime e não pensem que não são aptos para meditar só porque sua mente não é suficientemente espiritual. Alguns de vocês já devem ter se perguntado: “Como posso me aproximar de Deus com este estado inferior da minha mente?”  Se vocês estivessem com frio, seguramente não iriam dizer: “Tenho frio, deixem que eu me esquente primeiro antes de me aproximar do fogo”. Ao contrário, diriam com muita ênfase: “Tenho frio e me aproximarei do fogo para me esquentar”.  Por outro lado, se vocês acreditam que carecem de espiritualidade, então esse é o melhor dos momentos para pensar em Deus.

 

d)     A seguir devem ter uma hora fixa para a meditação. Em minha opinião, uma pessoa deveria meditar pelo menos duas vezes ao dia. Se não podem fazê-lo, meditem pelo menos uma vez, seja pela manhã ou à noite.

 

Na Índia afirma-se que há quatro horas auspiciosas para a meditação: cedo pela manhã – pelo menos uma hora antes do amanhecer, quando ainda está escuro – é uma hora muito boa. A segunda hora auspiciosa é ao meio-dia. A terceira hora auspiciosa para a meditação é ao anoitecer, que é uma das melhores horas para meditar. A quarta hora é à meia-noite. Onde houver um lugar regularmente tranqüilo, esta hora é maravilhosamente adequada para a meditação. Muitos pensam que à meia-noite é a melhor de todas as horas para esse propósito.

 

A meditação matutina tem determinada vantagem sobre a hora vespertina, porque ao despertar a mente está quieta após o descanso da noite. Todas as impressões do dia anterior estão apagadas, a natureza está tranqüila e a cidade ainda não despertou e se colocou em movimento. Existe uma outra vantagem: meditar antes que o dia desponte dá um ímpeto e uma direção espiritual à mente. Mesmo que a mente venha a perder um pouco da sua força espiritual e do seu entusiasmo à medida que o dia avança, essas qualidades permanecerão durante muitas horas e sustentará vocês pela maior parte do dia.

 

Se vocês não puderem aproveitar nenhuma dessas horas que são especialmente adequadas para a meditação, deveriam então escolher a hora que lhes seja mais conveniente e fazer todo o esforço para mantê-la. A observância de horas regulares na prática da meditação é muito importante, porque a mente funciona de acordo com o hábito. Se você faz com que a mente pense e sinta da mesma forma em uma hora fixa durante muitos dias consecutivos, então ela espontaneamente pensará e sentirá da mesma maneira quando essa hora chegar. Se meditarmos em Deus em uma hora específica, sempre que essa hora se aproximar, sem nenhum esforço de nossa parte, nossa mente se encherá da consciência de Deus. Essa é uma vantagem nada desprezível que se deriva da regularidade na prática.

 

 “Meditação Prática”  3

Do livro “Meditação – Método e Prática”

Swami Ashokananda

 

 

O que devemos fazer para ter bom êxito na meditação? continuação...

 

3.-        Assim como devemos ter horas regulares de meditação, assim também devemos ter um lugar fixo no qual meditar. Nesse caso os templos e as igrejas tem uma grande vantagem, porque esses lugares são usados para pensar em Deus; até o ar desses lugares carrega-se de sua presença e de uma sensação de pureza. A pessoa sente-se elevada até ao cruzar o umbral desses lugares sagrados.

 

             Uma atmosfera similar a de um templo ou igreja pode ser criada no recanto do lugar pessoal onde se medita. Em qualquer parte onde um pensamento intenso é sustentado sem interrupção esse lugar carrega-se com a qualidade do mesmo. Provavelmente isso se deve ao fato de que a atmosfera e os ambientes materiais estão conectados com o corpo, o qual vibra de acordo com os pensamentos da mente. Se nossos pensamentos são puros, nossos corpos igualmente alcançam uma pureza que se pode chamar de vibração espiritual; e naturalmente, com essa mudança no corpo, a atmosfera exterior também muda. Dessa maneira o lugar fixo onde se medita carregar-se-á de energia e estará tão permeado de uma qualidade espiritual que tua mente se encherá  com o pensamento de meditação quando chegares a esse lugar. A mente se aquietará com por um toque de mágica e estarás consciente de uma presença palpável. Isso poderá ser muito vantajoso e você poderá, em verdade, produzir esse aparente milagre mediante a prática de separar um lugar determinado aos pensamentos de Deus.

 

4.-        Quando medimos forças com os inimigos que se entranham em nossa mente, como as paixões, os impulsos, as cobiças e os desejos, os recursos que lhes tenho recomendado parecem oferecer uma proteção muito fraca. Admito isso. Quando eu expresso “se entranham”, quero dizer que até os melhores dentre nós não tem escapado de sua influência.  Diz-se que não se fica totalmente liberado deles até que efetivamente se tenha tocado os pés de Deus.

 

             Assim como no inverno o jardim fica limpo de ervas e ramos secos, mas com a primeira chuva da primavera as diminutas sementes que ficaram na terra brotam para cobri-la com verdor, assim também muitos pensamentos, impressões e desejos sutis permanecem ocultos em nossa mente, esperando brotar na primeira oportunidade. Portanto, devemos ser muito cuidadosos. Sabemos que todos esses impulsos errôneos estão em nossa mente e que facilmente cobririam toda nossa consciência se não restringíssemos a ação dos mesmos. Nosso problema é manter uma grande parte de nossa mente – e gradualmente uma parte cada vez maior – livre do predomínio dos impulsos e desejos errôneos, de maneira que a mente assim liberada possa pensar em Deus.

 

            

 

             Enquanto isso, o que deveríamos fazer para vencer nossos desejos e impulsos adversos? As vezes sucumbem diante de um ataque direto, mas um ataque pelo flanco é geralmente melhor. Lutar de modo direto contra um estado da mente para dominá-lo pode causar mais dano do que bem, pois com isso às vezes a mente se enreda cada vez mais. O procedimento mais sábio e eficaz e não abrigar o pensamento sobre a condição mental que se quer erradicar. Lembrem-se sempre deste fato psicológico: quanto mais pensarem em uma determinada condição mental, mais a fortalecerão. 

 

             Há um conto sobre um monge que costumava sentar-se debaixo de uma árvore à beira do caminho, para orar e meditar.  Uma mulher de má reputação passava com freqüência por ali e ele sempre a admoestava dizendo: “Você deveria abandonar essa má vida que levas e tratar de ser boa. Se você não o fizer, coisas terríveis te sucederão após a morte.” Cada vez que o monge via a mulher fazia-lhe a mesma reprimenda. Com o passar do tempo ambos morreram e os mensageiros da morte vieram reclamar por seus espíritos. Diz-se que um mensageiro luminoso traz consigo uma carruagem dourada para levar uma pessoa boa ao céu, enquanto que o mensageiro das trevas vem quando morre uma pessoa má.  Sucedeu que o mensageiro das trevas veio buscar o monge e o mensageiro celestial veio buscar a mulher.

 

             O monge ficou assombrado e disse: “Creio que foi cometido um erro”.  “Não – respondeu o mensageiro – não houve nenhum erro. Tudo está correto”. “Mas como poder ser isso?” perguntou o monge.  O mensageiro respondeu com seriedade: “Enquanto aparentemente meditavas,  você estava sempre pensando na mulher e em suas más ações. Dessa forma tua mente não estava se ocupando continuamente com o mal? Enquanto isso a mulher pedia ajuda a Deus, dizendo: “Senhor, sou muito fraca. Salva-me!” Dessa forma a mente da mulher não se ocupava mais de Deus do que a tua mente? O monge não pode responder esta pergunta.

 

             Esta pode ser uma ilustração extrema, mas contêm uma profunda verdade psicológica.  Assinala um fato fundamental com respeito à ação mental, do qual vocês podem usar muito bem em sua luta pela conquista de vocês mesmos. Quando se permite à mente que ela se ocupe de uma qualidade indesejável, certamente acabará criando uma nova impressão que será muitas vezes mais forte do que a original. Seguir reconhecendo esta qualidade só fará com que ela se fortaleça mais e mais, até que a mesma se converta em um complexo.

 

             Não estou dizendo com isso que não devem restringir sua mente, que devem deixá-la sem controle ou, como se diz, permitir ser “natural”. Nem tampouco quero dizer que devem ignorar suas fraquezas. Mas, em verdade, às vezes é mais seguro não brigar diretamente com elas. A melhor estratégia é adestrar a mente para que se mantenha em um novo nível. Primeiro desviem a mente do pensamento da debilidade a algum tema agradável; em seguida elevem a mesma gradualmente à uma consciência superior. Este método de auto-restrição não reprime a mente, senão afasta a mesma de associações perigosas, admitindo pensamentos desejáveis em vez de pensamento indesejáveis.

 

            

             Se atualmente vocês têm algum defeito que lhes parece quase impossível erradicar, devem ter lhe dado força e apoio ao pensar nele e ter caído em sua armadilha.  Tirem-lhe esse apoio e o defeito se enfraquecerá para finalmente morrer por falta de alimento. Não digo que isso seja fácil de fazer, mas com a prática vocês podem formar um hábito e esta é uma maneira segura de conseguir progresso espiritual.

 

5.-        As más companhias são uma das mais potentes causas de conflitos e perturbações mentais. Estaria muito bem em nos misturar com toda classe de pessoas se pudéssemos não ser afetados por sua companhia, mas isso raramente acontece. Não conheço ninguém que possa fazê-lo. As relações e associações apropriadas são muito importantes na vida espiritual. Se vocês partilham da companhia de pessoas impuras e estão freqüentemente em contacto com coisas erradas, não serão capazes de manter sob controle os pensamentos que estão tratando de restringir e os mesmos crescerão para finalmente dominar por completo a sua mente.

 

6.-        Uma certa quantidade de austeridade é absolutamente necessária para o progresso espiritual. Alguns de vocês podem não estar nada ansiosos em meditar e dizer: “Deixaremos isso para a próxima vida”, ou “faremos isso dentro de alguns anos”.Muitos pensam que a juventude é o tempo de aproveitar a vida e que seria melhor praticar a religião quando já se tenha começado a envelhecer.  Em outras palavras, quando o mundo tenha se tornado desencantado, então irão à igreja com uma cara fechada acreditando que com isso já tem religião. Isso não é e nem pode ser religião.

 

             ...Aqueles que pensam que a religião é exclusivamente para os velhos cometem um profundo erro. Principalmente os jovens, deveriam tratar de ser espirituais, pois a vida religiosa começa cedo e as práticas que tenho mencionado devem ser feitas enquanto a mente encontra-se fresca e pura, então ao manter uma vigilância estrita sobre a mente, esta pode conservar-se intacta. Sob nenhuma circunstância deveríamos permitir que a mente seja afetada pelo mundo...

 

7.-        Todas as recomendações que eu lhes tenho feito até agora são preliminarmente importantes; deveriam ser praticadas cada dia de nossa vida e não meramente no começo de nossa busca espiritual. Aquele que as pratica corretamente pode por sua própria vontade retirar sua mente por completo, porque alcançou um enorme controle sobre ela. Mas enquanto não tenham se estabelecido plenamente nessas práticas, muitos de vocês já devem ter se dado conta que na meditação a mente leva algum tempo para alcançar um estado de quietude e devem prestar uma cuidadosa atenção para este fato. Se vocês andam de um lado para outro, fazendo e pensando muitas coisas antes da meditação, que êxito podem esperar?

 

             Durante algum tempo antes da meditação vocês deveriam tratar de estar tranqüilos e sentir que não têm nenhuma relação com o mundo; que não têm nada a ver com ele. Estou de acordo de que como esposos, esposas, mães, pais, filhos e assim sucessivamente, devem atender e cumprir com muitos deveres e que existem mil coisas que exigem a sua atenção. No entanto, ao aproximarem-se de Deus, vocês sabem o que deveriam fazer? Ir diante Dele com se o mundo nunca tivesse existido; como se não tivessem nenhum marido, esposa, pais, amigos, pátria;  nada em absoluto. Esta seria a atitude correta na hora da meditação.

             Aproximem-se da meditação com uma sensação de eternidade. Quem tem o melhor resultado na meditação? Aquele que na hora de praticá-la pode sentir-se absolutamente desligado. Vocês compreendem o que isso significa? Tratem de imaginar o que é a eternidade. Está além do tempo e, conseqüentemente, além de todo fenômeno; é uma condição – se assim podemos chamá-la – na qual nenhuma dessas coisas relativas existe. Quando tentam pensar no Senhor eterno executam, portanto, um esforço para ir além de toda relação. Devem dizer: “Não tenho corpo, não tenho mente. Tempo e espaço desapareceram. O universo inteiro se desvaneceu. Unicamente Deus é”. Só então a mente terá essa percepção sutil que a capacitará a sentir a graciosa presença de Deus.  Por isso, antes de entrar no lugar de meditação, vocês tem que deixar para fora tudo o que é relativo.

 

             Em nossos monastérios, os monges que são muito estritos não permitem aos visitantes falar de suas esposas, esposos ou filhos, nem de coisas mundanas, por mais importantes que pareçam ser.  Isso não quer dizer que os monges desaprovem que uma pessoa cumpra com o seu dever, senão que eles sabem que a mente, para ser espiritual, tem que participar do caráter do eterno. Deve existir seguramente algum tempo durante o dia quando vocês se sintam absolutamente desligados; porque essa é sua natureza verdadeira. Ainda que em aparência estejam relacionados com as pessoas, sabem que essas relações são transitórias. A sua natureza verdadeira é o desligamento; e é nessa condição de não-relação com o mundo que devem iniciar a meditação.

 

8.-        Preenchendo as condições que tenho especificado, pode-se alcançar um progresso espiritual verdadeiro e apreciável. Mas aqui devo dizer-lhes que todas as práticas espirituais, incluindo a meditação, dependem de uma coisa: um grande anelo pela verdade...

 

             Um grande anelo e uma grande fé são muito importantes na prática da meditação, pois sem um desejo intenso por Deus e fé Nele a meditação será um esforço que dará os resultados esperados. Quando não se põe interesse no que se está fazendo, converte-se em uma mera formalidade, e o esforço é logo abandonado.

 

             Se vocês crêem em um Deus pessoal, dirijam a ele suas orações. Por “Deus Pessoal” não quero dizer um Deus com corpo, senão Deus com consciência-de-si, que é nosso pai, mãe, amigo e senhor, que é o onipresente criador do universo. E escuta as nossas preces; podemos nos aproximar a Ele com toda confiança, da mesma forma que as crianças se aproximam dos seus pais. Crer em Deus pessoal e amá-lo fará com que a meditação se torne muito fácil para vocês. Mantenham-se no pensamento Dele cada vez mais. Façam obras para Ele. O bom êxito na vida espiritual consiste em concentrar todo pensamento, todo sentimento e até a última grama de energia em Deus.

 

9.-        Como farão isso? Quando falarem, falem de Deus. Quando caminharem, caminhem para o Seu templo. Quando trabalharem manualmente, façam algo a Seu serviço. Cada uma das funções do corpo e da mente de algum modo devem ser dirigidas a Ele. Se tiverem que ir a um escritório em vez de ir a um templo, façam do seu escritório o templo de Deus. Se o seu trabalho é honrado isso fácil de se fazer. Se for desonesto, então mudem de trabalho. Se a mudança significa enfrentar a fome, enfrente a ela! Valor! É o que se necessita. Tenham em mente isto: Aquele que criou o mundo continua por detrás dele e nunca nos deixará passar fome. Se em realidade queremos a verdade e para isso estamos dispostos a descartar o que é errado e o falso, nunca perderemos nada em seguir a verdade. Em outras palavras, isto não quer dizer que as coisas sucederão tal como nós as desejamos, senão que acontecerão com um mínimo de sofrimento e um máximo de benefício.

 

            

 

 

 

 

             Se o seu trabalho é honrado, podem com certeza fazer dele um trabalho para Deus. Seja que se encontrem num escritório ou que estejam desempenhando as tarefas do lar, seja qual for a natureza de seu trabalho, meditem em Deus. Ofereçam o seu trabalho feito durante o dia, mesmo que aparentemente o tenham feito para o seu patrão... Dessa maneira vocês darão um novo rumo aos seus pensamentos. Sim, é uma maneira diferente de fazer as coisas. Poderá parecer-lhes um pouco estranho no princípio, mas façam o seu trabalho assim mesmo. Pouco a pouco lhes será revelado um significado mais profundo e verão que esta prática não é o que pensavam a respeito dela ao princípio; essa prática se tornará muito efetiva.

 

             Desse modo, sempre que fazemos algo para os demais ou para nós mesmos, podemos pensar que o que estamos fazendo para o Senhor. Tudo na vida pode ser convertido desta maneira em atividade espiritual. Poderá haver aqueles que, consciente e deliberadamente, sejam capazes de fazer coisas diretamente a Deus. Quão afortunados eles são!  Essa é a razão pela qual as pessoas fazem elaborados cultos religiosos. Por isso cultivam flores e as oferecem diante do altar; por isso queimam incenso e acendem velas. Talvez vocês não gostem dessas práticas. Mas, de que maneira vocês passariam as horas do dia? Não se dão conta que o tempo e a energia são malgastos em servir ao pequeno eu? Não seria melhor oferecer a Ele o que fazem?  Deste sentimento surgiu o ritualismo. É por este sentimento que os templos, aonde as pessoas levam suas oferendas para o culto, tem sido construídos em todo o mundo.

 

             Todavia, não estou insistindo com isso que todos devem praticar o ritualismo. Cada qual fará o seu culto de acordo com o seu temperamento espiritual.  Mas de alguma maneira terão de descobrir um jeito de trazer seus próprios pensamentos, emoções e ações ao serviço do Senhor. Quanto mais o fizerem, mais próximos estarão Dele. Então, quando se sentarem para meditar, todo o resto será esquecido, e só Deus encherá o seu coração.

 

10.-      Possivelmente vocês estão acostumados a se convencer da realidade das verdades espirituais por meio do raciocínio. Mas enquanto não tenham experimentado estas verdades, permitam-me dizer-lhes que a maior benção para vocês seria encontrar alguém que as tenha realizado. A prova das verdades espirituais não se encontra na razão, na argumentação, ou qualquer outra classe de demonstração exterior. A prova está na sincera convicção transmitida através das palavras de um homem que tenha realizado o que expressa. Ainda que alguns possam não concordar, acredito que esta é a única prova objetiva na qual se pode confiar.

             Se essa pessoa iluminada me disser: “Filho meu, você não é em realidade este corpo e esta mente; o espírito é a tua verdadeira natureza, o ser imortal e eterno é teu verdadeiro ser. As coisas passageiras não te pertencem. Trata de penetrar nas profundezas, trata de realizar o teu ser verdadeiro”; desta forma me sentiria obrigado a aceitar as suas palavras e atuar de acordo com elas. Ao ouvir essa pessoa iluminada, algo da sua voz penetraria nas profundezas do meu coração e eu não poderia resistir. Como eu desejaria que todos vocês pudessem encontrar alguém de cujos lábios saíssem tais palavras. Então não seriam capazes de colocá-las em dúvida ou de desdenhá-las, e a convicção sobre sua verdadeira natureza e sobre sua gloriosa meta aumentaria em seu interior. Talvez por um tempo o fracasso poderia lhes causar desgosto, mas uma e outra vez diriam: “Muito bem, tentarei de novo”. E obteriam a vitória.

 

             Tenho-lhes dito o que se deveriam fazer para se prepararem para a meditação. Sua mente pode ser levada cada vez mais próxima de Deus ao tomarem todas as diversas medidas que lhes enumerei. Concluindo, permitam-me enfatizar-lhes alguns pontos:

 

             - Desempenhem qualquer trabalho que lhes seja requerido, mas dirijam-no ao Senhor, então a                              sua mente não será perturbada;

             - Sejam desapegados;

             - Identifiquem-se com a eternidade, então a meditação será muito fácil;

             - Não permitam que sua mente divague, senão os pensamentos mundanos entrarão nela e                      a turvarão; isso nunca se deveria permitir;

             - Antes de meditar pensem nas coisas que lhes sugeri.

 

             Quando não penetrar nenhuma coisa estranha em sua mente, ela se acalmará. Então, no templo do seu coração, começarão a ver a face radiante do Senhor e ao meditarem nela verificarão que a mesma se torna cada vez mais bela e, submersos em sua infinita beleza, esquecerão todo o resto. Ao final, estarão completamente absortos Nele.

 “Meditação Prática”  4

Do livro “Meditação – Método e Prática”

Swami Ghanananda

 

 

Yoga da concentração:

 

1.-        Os Vedas falam primeiramente de shravana, ou escutar a verdade, de preferência de viva voz e não simplesmente de livros; em segundo lugar, falam de manana, ou seja refletir sobre a verdade; e em seguida falam de nididhyasana, que é a meditação. Meditação é somente uma forma intensa de pensar em Deus.  Pode-se meditar em muitos temas, tais como geometria, fissão nuclear, ciência, e assim por diante; mas aqui sempre que usarmos a palavra meditação é para indicar o pensamento intenso sobre Deus.

 

          Em realidade em todas as religiões procura-se concentrar a mente em Deus. Quando uma pessoa pensa em algo, aproxima-se do objeto do seu pensamento; a seguir vem a etapa em que o objeto penetra em seu coração, em sua mente e em sua alma; mais tarde pode-se alcançar um certo sentido de identidade com o objeto. Todas essas etapas são aplicáveis também à contemplação espiritual.

 

          Na primeira etapa sentimos que Deus está próximo de nós e que nós estamos próximos Dele; na segunda etapa sentimos que Deus está em nós e que nós estamos Nele; poucos são os que chegam a etapa final, que é considerada o cume do pensar e da vivência espiritual, a própria cúspide de tudo isso, ou seja, “Deus é eu e eu sou Deus”. Com este sentido de identidade, a pessoa esquece completamente do seu corpo.  Esquece que é uma coisa vivente, uma entidade, e se funde no ser puro. Em outras palavras é a mais perfeita humildade do homem que produz este estado de união com Deus...

 

2.-      ...Um grande cientista em yoga, Patanjali, quem em minha opinião foi contemporâneo de Buda, nos tem dado certo número de instruções que são preliminares para a concentração. Estão incluídas nos oito passos que constituem o curso de treinamento chamado raja yoga.

 

          O primeiro passo é yâma, que consiste nas práticas de não causar dano, veracidade, não roubar, castidade e não receber presentes. (a pessoa que recebe presentes é influenciada pela mente da pessoa que dá o mesmo com segundas intenções; presentes dados com um afeto genuíno podem ser considerados inofensivos.)

 

          O segundo passo é nyâma, que consiste nas práticas de limpeza do corpo, pureza de mente, contentamento, austeridade (sem chegar a extremos e sem debilitar o corpo e a mente), estudo da sabedoria espiritual e a devoção a Deus.(contentamento significa a aceitação de bom grado pela pessoa, do destino que lhe corresponde na vida, sem que seja perturbada pela inveja ou inquietude)...

 

         

 

O terceiro passo é  ásana, ou postura. Neste pais a yoga é quase sempre identificada com os exercícios conhecidos como hatha yoga. Patânjali faz referência unicamente a uma postura que seja fácil e ao mesmo tempo firme.

Dessa única e simples instrução que ele deu, elaborou-se um certo número de exercícios que as pessoas começaram a praticar na Índia, e esses exercícios agora são conhecidos em todo o mundo. Patânjali dava importância somente à postura para a meditação; que deve ser fácil e fixa, de modo que a pessoa possa permanecer sentada e meditar por pelo menos meia hora no princípio, e mais tarde durante quarenta e cinco minutos, ou mais. A pessoa deve tentar sentar-se para meditar uma vez pela manhã e outra vez à noite, antes de se alimentar. Após ingerir uma comida substancial deveria se deixar passar duas ou mais horas antes de tentar a meditação. Ao sentar-se, a coluna vertebral deve estar reta e a cabeça erguida. Deve-se evitar a tensão muscular. Se as pessoas não estiverem acostumadas a sentar-se no chão com as pernas cruzadas, devem sentar-se em cadeiras, colocando os pés debaixo das mesmas para facilitar a postura ereta...

 

          O quarto passo é pranayama (exercício respiratório), que nos permite controlar o prana, que é a energia vital no sistema. É a mesma energia que move a Terra, que faz funcionar os pulmões e que faz pulsar o coração.  Há uma só energia cósmica, que se manifesta individualmente em nossos corpos e mentes. Essa energia não é diferente nos diferentes indivíduos, assim como a energia elétrica que acende uma lâmpada não é diferente da que está presente em outra lâmpada.

 

          O que a yoga pretende ensinar ao homem é como controlar essa energia vital em seu sistema. Portanto, pranayama não é o controle do alento, senão o controle do prana, a energia que vitaliza o corpo. Quando o prana abandona o sistema, o coração para de funcionar, os pulmões param de se movimentar e se diz que o homem morre.

Aqui vocês dizem que “entregou sua alma”, o que quer dizer que o corpo psíquico, ou corpo sutil, abandona o corpo denso, ou o corpo físico.  A prática do pranayama deve ser feita de forma correta e aprendida de um mestre e não simplesmente por ter lido sobre o assunto em livros.

 

          O quinto passo é pratyahara, que significa simplesmente reunir as forças da mente que se dispersaram. Suponham que vocês compram um pacote de sementes de mostarda que se rompe, devido a um descuido,  fazendo com que as mesmas se espalhem pelo chão. O que vocês farão para recolher as sementes? Primeiramente tem que juntá-las do solo e talvez isso tenha que ser feito de uma por uma. Esta é a condição comum na mente das pessoas adultas...

 

          Existem duas forças que atuam na mente do homem: uma que afasta a mente de seu centro e outra que a atrai para dentro. Atrair a mente para dentro é pratyahara, e é isso precisamente o que o principiante deve fazer quando se senta para meditar.

 

          O sexto passo é dhârana (concentração), que consiste em fixar a mente em um só lugar. Se Deus é o objeto da meditação, então dhârana é concentrar-se em Deus, pensar Nele com sendo o criador do universo. Em yoga dizemos que o objeto da meditação deveria ser concebido como se estivesse dentro do homem. Sem dúvida, pode-se ter um grande benefício ao meditar em Deus, mesmo que seja concebido fora de si, mas a yoga ensina que deveria se pensar Nele como se estivesse dentro de si mesmo.

          Jesus nos pede para que oremos ao Pai no céu, como se o céu estivesse em um lugar separado de nós,  mas o seu ensinamento mais elevado foi: “O reino do céu está dentro de ti”.

 

...Deveria se meditar no centro do coração, como é chamado. Com isso não se quer dizer no coração fisiológico, senão no coração psíquico ou místico, que está situado a uma polegada acima da boca do estômago e no interior do corpo. Aí se coloca o objeto da meditação, seja uma encarnação de Deus ou de um grande mestre, ou de uma concepção ou símbolo de Deus. Isso transformará a mente. Quando a mente move-se ao redor dos três centros situados abaixo do coração não se beneficia com isso. O centro do coração é o ponto de partida para o pensamento espiritual.

 

As vezes as pessoas dizem que quando pensam em Deus a mente move-se para cima. Isso é bom, mas deveria vir naturalmente como resultado da prática e não somente por ter a idéia de que se pode meditar em um ponto entre as sobrancelhas. Se vocês tem êxito na meditação feita no centro do coração, então os outros centros se revelarão a vocês no devido tempo. Pode-se plantar uma roseira, mas não se pode forçá-la a florescer. Da mesma forma, vocês não deveriam forçar as coisas na meditação...

 

No começo, ou nas etapas iniciais do esforço espiritual, é aconselhável pensar na divindade como possuidora de forma. Primeiro vem o pensamento de Deus com forma e na maioria dos casos se pensa Nele com forma de ser humano. Mais tarde vem a meditação em Deus sem forma, mas com atributos. Finalmente, vem a meditação sobre o Absoluto, amorfo, sem atributos, ou consciência pura. Esse é o caminho, por etapas. Esses são os três níveis da vida e da vivência espirituais, e são para todos. Pensa-se em uma forma divina no interior do próprio ser, no próprio coração, e se persiste até que se tenha a experiência direta da mesma...

 

Pode-se começar com Deus com forma. Existem uns poucos de mente forte que podem começar sem nenhuma forma. Geralmente se pensa em Deus com atributos. E como se pensa nos atributos de Deus?  É difícil fazê-lo sem que de alguma maneira se tenha a idéia de que Deus é uma pessoa. Por isso dizemos que é bom começar com uma forma; não há nada mal nisso; mas mais adiante alcancem o amorfo.  Gradualmente a mente, que tem se movimentado no universo exterior, é trazida a um só ponto e se aprofunda pela meditação feita com fé. Após meses e anos de meditação se adquire o poder de meditar sobre o que se chama energia primária, que projeta este universo. O ego está então em comunhão com essa energia primária que é a força de Deus.

 

Após anos de prática, tenta-se esquecer o ego, esquecer a individualidade. Eventualmente o ego será transcendido. O ego não é destruído, senão transcendido.  Quando o yogui alcança o ser puro a consciência do ego deixa de existir...

 

O sétimo passo é dhyana.  Dhârana e dhyana constituem a meditação. Dhyana é muito difícil porque está muito próxima do estado superconsciente samadhi: a luz que ilumina o homem, a paz que está além de toda compreensão. Esse é o estado mais elevado.

 

Dhyana assemelha-se ao ato de verter sem interrupção azeite de um recipiente a outro. A mente deve fluir ao objeto da meditação sem nenhuma interrupção durante vinte e quatro minutos. Quando se alcançou isso, se alcançou um samadhi. Tivemos um mestre no século passado (Sri Ramakrishna) que morreu em 1886. Ele costumava dizer que é muito difícil permanecer nesse estado por mais de vinte e um dias. Se um homem permanece nesse estado por mais de vinte e um dias o seu corpo se desmorona. No entanto, ele foi capaz de permanecer nesse estado durante seis meses contínuos, uma proeza maravilhosa. O ego então não funciona.

 

O oitavo passo, que é o passo final da yoga, depois da meditação profunda, é samadhi, que é superconsciência.  Há duas classes de samadhi: uma, na qual há conteúdo na consciência. Deus é o conteúdo e se está em comunhão com Ele. Mas há outra superconsciência, na qual a consciência carece de conteúdo; é o ser puro; é a consciência pura. Não pode ser descrita.

 

O subconsciente tem que ser purificado gradualmente e para isso a prática de um mantra é muito útil. Um mantra é introduzido do nível do plano consciente ao plano subconsciente e ali ele trabalha. Não se sabe como funciona. O mantra deve ser pronunciado, digamos, mil vezes de manhã e mil vezes à tarde, em seguida deve-se tentar meditar. A repetição do mantra prepara a mente para a meditação. Quanto mais for pronunciado, tanto melhor. Ao deitar-se, repitam-no cem vezes e logo durmam com a cabeça reclinada no regaço de Deus. Ele é sua mãe e seu pai. Não há nada errado em pensar Nele como mãe; geralmente o fazemos porque a mãe está mais próxima de nós do que o pai. O pai puxará a nossa orelha se cometermos um erro, mas a mãe talvez não.

 

Se pensarem dessa forma e praticarem um mantra antes de dormir, depois de algum tempo descobrirão que ao despertar pela manhã estarão repetindo esse mantra. O último pensamento que era preponderante na mente antes de se adormecer, é o que surge primeiro pela manhã (ao acordar). Por que ocorre isso? É porque o mantra esteve trabalhando no subconsciente durante a noite e surge ao nível consciente no dia seguinte. O mantra move-se através do subconsciente e o purifica, e gradualmente transformará o homem.

 

Yoga é a palavra sânscrita que quer dizer unir ou ungir. Tem pelo menos dezessete significados secundários, segundo o dicionário. No entanto, o significado primário sempre tem sido o mesmo, ou seja, que yoga é comunhão com Deus. Yoga é uma ciência; yoga é psicologia aplicada. Não é somente o meio para alcançar o propósito da vida, senão que capacita a pessoa a fazer qualquer coisa, mesmo no mundo, com grande energia e com grande benefício para outras pessoas.     

 

       

 

 “Meditação Prática”

Do livro “Meditação – Método e Prática”

 

  Swami Gnaneswarananda

 

Postura e Respiração: Antes de abordar nosso estudo da direção, do tempo, do lugar, da postura e da respiração na meditação, gostaria de chamar sua atenção para o fato de que todas as direções são de Deus. Todos os lugares também são de Deus. Deus está em todas as partes; a Verdade está em todas as partes. Assim sendo, pelo fato de sentar-se numa direção ou lugar determinados não se ganha nenhuma espiritualidade adicional. Muitas pessoas pensam que se sentando numa postura especial ou respirando de determinada maneira se tornará perfeita.  Mas a perfeição nunca poderá ser obtida por meios mecânicos. Todavia, no princípio podemos ser muito beneficiados por essas condições externas, observando-as como meros auxiliares. Mesmo que um principiante tire proveito de todas as correntes e condições favoráveis do ambiente, com seu desenvolvimento superior ele gradualmente se libera de todas as condições externas. A liberdade é nossa meta, e não a escravidão ao tempo, ao espaço ou às circunstâncias.

 

          Quando uma muda de árvore é plantada à beira do caminho, deve ser protegida por uma cerca ao seu redor. A cerca não contribui de nenhuma maneira ao crescimento e desenvolvimento da planta. E de fato, pode se constituir num empecilho para o crescimento da árvore.  No entanto, para proteger a planta do embate dos elementos perturbadores, a cerca deve ser mantida até que a planta se torne numa árvore forte...

 

          Ao sentar-se para meditar, sempre que for possível, olhem para o Oriente (Leste). A rotação diária da Terra é do Ocidente para o Oriente. Por isso, ao olhar para o Leste estamos olhando na mesma direção do movimento da Terra. Seria a mesma situação de viajar em um trem com o olhar voltado para a mesma direção em que o veículo se move. Muitas pessoas, como vocês sabem, ficam enjoadas ao viajar de costas. Tem se observado que durante o tempo da meditação os nervos se tornam muito sensíveis e o menor incômodo cria uma forte perturbação em nosso sistema. Em outras ocasiões poderemos não ser tão sensíveis à corrente, mas durante o tempo de meditação, quando estamos tratando de colocar todas nossas faculdades num estado de serenidade e equilíbrio, essa corrente contrária é sentida profundamente.

 

          Gostaria também de mencionar outro fato. Quando dormimos, nossos nervos deveriam alcançar um estado de equilíbrio perfeito. Então, a menor perturbação também produz inquietude e irritação. Por isso, é sempre benéfico dormir com a cabeça para o Leste ou para o Sul, com o olhar voltado para o Oeste ou para o Norte. Muitos casos de insônia tem sido curados por uma simples reacomodação da cama, ao colocar a cabeceira da mesma na direção apropriada. Se não podem olhar para o Leste enquanto meditam, olhem para o Norte.  A razão para se olhar para o Norte é devida à corrente magnética polar que está fluindo do Pólo Sul ao Pólo Norte. Ao olhar para o Norte, ficamos na mesma direção da corrente, e ao dormir mantendo nossa cabeça para o Sul, a corrente passa sobre nós da cabeça aos pés. Aqui devemos observar uma pequena diferença com o movimento Ocidente-Oriente (Oeste-Leste). Tratando-se da rotação da Terra, somos nós que nos movimentamos com a mesma, enquanto que no caso da corrente polar nós estamos mais ou menos parados e a corrente flui por cima de nós. Portanto, ao dormir é apropriado colocar a cabeça na mesma direção em que a corrente flui.  E na meditação voltar-se na mesma direção da corrente é olhar para o Norte.

 

          Em seguida consideraremos a questão do tempo. Por sua própria experimentação e aguda observação da natureza, os yogues descobriram que há quatro períodos durante as vinte e quatro horas do dia, em que a natureza entra num curto período de descanso, quando tudo na natureza espontaneamente tende ao equilíbrio e à tranqüilidade. Até as aves, os animais e as árvores parecem desfrutar de um intervalo de calma durante esses períodos. Esses quatro períodos são chamados de sandhis, que duram quarenta e cinco minutos cada vez que iniciam, quer dizer, vinte e dois minutos antes e vinte e dois minutos depois de cada conexão. O primeiro período é ao amanhecer, o segundo ao meio-dia, quando o sol passa pelo meridiano. O terceiro é ao entardecer, e o quarto é à meia-noite, quando o sol passa pelo meridiano oposto.

 

          Um estudante de yoga deveria tratar de arrumar os seus assuntos e hábitos diários de maneira que pudesse aproveitar pelos menos dois, senão de todos os períodos favoráveis à meditação. Além do aspecto cósmico,  há outra razão do porquê esses quatro períodos são muito favoráveis à meditação, especialmente na Índia. Desde tempo imemorial tem sido costume de quase todas as pessoas adultas, tanto homens como mulheres, de recordar a Deus, ou do seu ideal mais elevado, e desfrutar nessas horas de um curto período de silenciosa contemplação. Todos os yogues e estudantes de meditação fazem suas práticas durante esses quatro períodos. Por isso, na Índia, sente-se claramente durante essas horas do dia uma influência espiritual muito forte.

 

          Com respeito ao lugar, com toda segurança, vocês já se deram conta que, quando rodeados de magníficas paisagens naturais, de maneira espontânea sentem como se estivessem voando ao infinito. Toda consciência do mundo parece se desvanecer diante da influência da grandiosidade da natureza. Esses são lugares naturalmente adequados para a meditação.  A meditação deveria ser praticada, sempre que possível, ao ar livre.  O praticante deveria olhar para longe e enviar seus pensamentos à vastidão do espaço,  que se ergue sobre todas as limitações. Olhem para a vasta extensão do espaço ao estarem sentados à beira do mar, ou em uma montanha, ou próximo de um rio, ou em algum lugar onde vocês possam estender para muito longe os seus olhares.  Vocês descobrirão que um sentimento de vazio gradualmente ocupará a sua consciência. Todas preocupações, pensamentos triviais e idéias limitadas, pouco a pouco, se desvanecerão e entrarão de maneira natural em um estado de meditação...

 

          Outra opção, se não há uma bela paisagem natural, é destinar um quarto especial para a meditação, se possível.  Senão, mantenham um espaço do quarto para esse único objetivo. Não utilizem esse quarto, ou o espaço que tenham reservado, para nenhum outro propósito a não ser para a meditação. Mantenham esse lugar limpo e cada qual, a sua maneira, procure associá-lo a um sentimento de santidade e pureza. Se tiverem uma inclinação especial por algum quadro ou qualquer símbolo que considerem sagrado, coloquem-no ali.  Se associarem a idéia de santidade com alguma classe de incenso ou perfume, queimem seu incenso ou passem seu perfume nesse lugar. Se tiverem algum apreço especial pela pureza e santidade das flores, coloquem flores nesse quarto. Quando forem ao seu pequeno santuário, se não se sentirem física e mentalmente limpos, poderão vacilar para entrar em seu sanctum sanctorum. Essa vacilação gradualmente exercerá uma influência tão forte em sua mente, que ao se recordarem desse santuário esse sentimento lhes ajudará a eliminar de sua consciência todo pensamento superficial e impuro.  Quando entrarem em seu santuário para meditar se sentirão muito elevados pela poderosa atmosfera desse lugar. De fato, essa é a razão psicológica do surgimento de igrejas, santuários e capelas...

 

          O tema da postura tem sido discutido de forma muito elaborada em um dos sistemas de yoga, chamado de hata-yoga.   Mas as posturas e poses ensinadas nesse sistema não são essenciais para a prática da concentração e da meditação. Abordaremos aqui somente as principais posturas para a prática da meditação.

 

          Sentem-se eretos numa cadeira, nem muito alta nem muito baixa, nem muito macia nem muito dura. Ou sentem-se no chão sobre uma almofada, se preferirem.  Mantenham ereta a sua coluna, cintura, costa e nuca, em uma linha reta. Mantenham a cabeça levantada, os olhos entre abertos e olhem sem nenhuma tensão, mentalmente por assim dizer, na região entre as sobrancelhas. Por várias razões, esta postura do corpo ereto e levantado é necessária à meditação. Um das razões mais óbvias é que mantêm os diferentes órgãos em sua posição correta, permitindo-lhes funcionar adequadamente sem lhes causar nenhuma carga extra sobre o sistema. Resta dizer que esta postura é muito benéfica para a saúde e para o bem estar geral do sistema físico. A meditação se torna mais fácil se o corpo físico não está criando nenhum mal estar. Na meditação temos que nos esquecer do corpo e não podemos fazê-lo se o mesmo nos causa alguma preocupação.

 

          O benefício espiritual desta postura é que sempre que tratamos de elevar nossos pensamentos, uma corrente ascendente, que começa na base da espinha dorsal e se encaminha rumo aos centros cerebrais. Esta corrente circula livre através da espinha só quando a mesma está ereta, em posição levantada. O mais leve mal estar tem a tendência de forçar a corrente para baixo, o que ocasiona uma reação no sistema...

 

          Agora nos ocuparemos da prática da respiração. A respiração é o índice mais claro de nossa consciência interna. Ao se observar a respiração de uma pessoa, pode-se facilmente descobrir qual é a natureza da sua consciência. A pessoa cuja respiração é audível aos demais, cuja respiração é pesada, rouca, áspera ou superficial, é de uma pessoa grosseira.  Certo tipo de respiração curta é um sinal de vida curta.

 

          A verdade é que qualquer perturbação da mente percebe-se imediatamente pela perturbação de nossa respiração. Quando estamos desconcertados, com raiva por influência de uma paixão qualquer, verificamos que nossa respiração se tornou superficial e irregular.  Quando acontece o contrário é sinal de equilíbrio e tranqüilidade. Fazendo com que a respiração flua de forma profunda e regular, podemos com facilidade controlar o estado de perturbação.

 

          A ciência de respirar corretamente é ensinada como um meio auxiliar para a prática da meditação. O exercício de respiração que trataremos a seguir é o mais fundamental, vital e essencial que um estudante de meditação deve praticar todos os dias:

 

Primeiro exercício respiratório:  

 

Inalem profundamente, preenchendo todo a capacidade do pulmão sem fazer nenhum ruído.  A seguir, sem reter o alento, exalem tão suave e lentamente como fizeram durante a inalação, mantendo o mesmo ritmo.

 

          O ritmo tem muito a ver com o bem estar e desenvolvimento de nossa vida física, emocional e espiritual.  Qualquer coisa feita com ritmo tem um efeito sedante e tranqüilizador sobre o sistema; ao contrário, o rompimento do ritmo traz imediatamente o caos e a confusão. Por isso, não devemos permitir que o ritmo da respiração seja perturbado. Ao respirarmos profundamente e ritmicamente podemos nos desfazer de muitos distúrbios físicos e mentais.

 

          A ciência da respiração tem sido estudada e experimentada cuidadosamente pelos yogues hindus, que chegaram ao extremo de descobrir diferentes exercícios respiratórios adequados para o êxito e o desfrute correto de todas nossas atividades humanas. Os cinco órgãos humanos de ação, ou seja: linguagem, manipulação, locomoção, eliminação e propagação podem ser regulados e controlados efetivamente, dizem os yogues, mediante a prática de diferentes classes de respiração.

 

 Segundo exercício de respiração:

 

Sentem-se na postura correta, conforme ensinada anteriormente. Tape a fossa nasal direita com o polegar direito e inalem lenta e suavemente pela fossa nasal esquerda. Contem quatro tempos com os dedos da mão esquerda enquanto inalam. Usem a palavra Om, pronunciada A-U-M, como unidade para contar, ou seja, quatro Oms, para esta parte do exercício. Em seguida, tapem a fossa nasal esquerda também, com os dedos médio e anular da mão direita. Retenham o alento, com ambas fossas nasais tapadas, contando dezesseis Oms com os dedos da mão esquerda. Destapem a fossa nasal direita e exalem lenta e suavemente, contando oito vezes o Om. A seguir, sem nenhum intervalo, inalando agora pela fossa nasal direita, retenham o alento com ambas as fossas nasais tapadas e finalmente soltando o ar pela fossa nasal esquerda. A contagem dos Oms é: quatro, dezesseis, oito. Isto constitui um pranayama completo. Continuem o exercício, alternando entre uma fossa nasal e outra. Repitam este exercício durante três vezes em duas ocasiões durante cada dia. Se quiserem aumentar a duração, façam-no sempre com a relação 4-16-8 (da mesma forma que

1-4-2). Qualquer aumento deve ser feito de forma gradual para não forçar e para que não haja nenhuma tensão. (Recomenda-se que este exercício seja feito com a orientação de um mestre ou de uma pessoa experimentada.)

 

Terceiro exercício respiratório:

 

O exercício seguinte tem sido enaltecido pelos  yogues como aquele que produz uma grande atração na personalidade, um espírito de amizade universal, alegre disposição, beleza física, doçura na voz e longevidade. O exercício é muito simples e ser praticado a qualquer hora.

 

          Coloquem os lábios em posição de assoviar. Em seguida, inalem lentamente pela boca até preencher totalmente os pulmões. Fechem os lábios, traguem, e exalem gradualmente pelo nariz, mantendo a boca fechada. Este exercício pode ser feito tantas vezes ao dia de acordo com a sua preferência. Quando estiverem ao ar livre ele será de grande benefício. Este exercício lhes dá o poder de manter o seu espírito muito acima de toda depressão, melancolia, tristeza, desalento e complexos de toda classe.

 

          É lógico que em nosso estudo não abordamos muitos detalhes. Mas devo recordar-lhes que há detalhes em tudo. Quando o princípio fundamental é compreendido, a pessoa pode se adaptar segundo o ambiente em que se encontra. O exercício mais vital e benéfico de respiração (O mais recomendado e que não tem nenhuma contra indicação) é fazer a respiração profunda e rítmica. (primeiro exercício respiratório). Quando se conseguiu isso a meditação será muito fácil e se desenvolverá sem nenhuma perturbação. O nosso objetivo não é nos capacitar para respirar em diferentes modos, senão nos capacitar para que possamos acalmar a mente e o corpo de tal maneira que não interfiram em nosso objetivo principal, que é a meditação.

 

  Meditação Prática 6

 

 

O Despertar da KundaliniAntes de tratar da kundalini, gostaria de lhes dizer algo a respeito da filosofia sobre a qual estas meditações estão baseadas.

 

          Todo o ensinamento das seis escolas de filosofia hindu pode ser resumido em uma só expressão: “Toda alma é potencialmente divina; a meta é manifestar essa divindade interior ao controlar a natureza tanto externa como interna” (Vivekananda). A conclusão de todas as escolas de filosofia hindu, como de todos os diferentes sistemas de ciências ocultas, é que qualquer coisa que queiramos alcançar em nossa vida está contida dentro de nós mesmos. A fonte infinita de provisão, não só dos estados espirituais como também das coisas materiais, está dentro de nós. Se soubéssemos tão somente como nos colocar em contato com essa fonte eterna não teríamos necessidade de coisa alguma na vida. Todas nossas necessidades, todas nossas exigências, esperanças e aspirações, poderiam ser satisfeitas a partir do nosso interior.

 

          Com esta filosofia como seu princípio básico, as diferentes escolas de yoga descobriram modos e meios de despertar essa divindade que está dentro de nós. Não é questão de aquisição nem de conseguir algo que não se possua, senão é uma questão de despertamento ou desenvolvimento, o que tem sido abordado por todas as diversas escolas de filosofia e tem sido experimentado pelos diversos sistemas de yoga. Por isso gostaria de pedir-lhes para que recordem esta conclusão definitiva: o mais elevado estado de perfeição que vocês querem alcançar já está dentro de vocês, assim como as potencialidades do crescimento de uma árvore gigantesca estão contidas dentro de uma pequena semente. Seja o que for que queiramos alcançar para o nosso pleno crescimento já está contido dentro de nós em forma de uma potencialidade muito sutil. A questão é como fazer com que esta semente potencial se manifeste. Aqui entra o método especial de yoga que estamos considerando e que está incorporado na filosofia tantra.

 

          Tratarei de lhes dar uma explicação muito breve desta filosofia. Muitos de vocês estão familiarizados com o nome de Patânjali, a grande autoridade sobre raja yoga. Acredita-se que ele viveu depois de Buda e antes de Cristo, provavelmente entre os séculos V e III  a.C.

Em seus Aforismos (Yoga Sutras) encontramos somente uma referência incidental aos processos implicados no sistema tantra de yoga. Mas num período posterior,  ao redor de 600 ou 700 d.C.,  verificamos que uma escola bem definida de misticismo, que se chamou a escola tantra de filosofia já havia se estabelecida.  A palavra tantra significa “regras para governar”. Tantra tem uma literatura muito vasta. Existem sessenta e quatro livros sobre o título geral de Tantra e que trabalham a mesma linha de pensamento. Não sabemos quem foi o fundador deste sistema. Ao se examinar cuidadosa e criticamente os textos tântricos fica-se convencido de que esta escola esotérica de filosofia prática já existia nos tempos védicos e que foi sendo transmitida ininterruptamente ao longo das eras. Alguns dos textos tântricos datam do tempo do renascimento do brahmanismo, após a decadência e queda do budismo. Em muitos dos Tantras posteriores encontram-se pegadas de tentativas para restabelecer as religiões védicas e upanishádicas, que haviam caído em desuso pelo predomínio do budismo, que havia se estendido de um extremo ao outro da Índia.

 

          Poderíamos comparar brevemente a filosofia tantra com outros sistemas. A realidade suprema, que é denominada Brahman pelos vedantistas e Purusha pelos samkhias, é chamada de Shiva pelos tântricos. Segundo a Vedanta, o poder pelo qual Brahman se manifesta, ou parece manifestar o universo, é Maya. Maya é conhecida na filosofia samkhya como prakriti e nos Tantras é chamada de Shakti, ou força.  O objetivo dos tântricos é o de experimentar a unidade de Shakti e Shiva, a realidade suprema, ou alcançar a vivência unitária da existência. Os tântricos acreditam que é pelo poder de Shakti que são capazes de realizar Shiva. Não tratam, portanto, de negar a força criativa, como o fazem os vedantistas, e procuram render culto à Shakti para através dela alcançar Shiva, o estado de consciência absoluta. A Shakti é chamada de Mãe Divina do Universo...

 

          ...Pela observação e experimentação, os Rishis da escola tantra descobriram que a potencialidade da perfeição encontra-se dentro do homem na forma de um gérmen muito sutil ou semente espiritual. Os antigos costumavam pensar e falar em termos de formosos símiles e metáforas, e com profundas e sugestivas figuras de linguagem. Admitindo a metáfora de uma serpente adormecida, descobriram esse “gérmen” de perfeição potencial e o relacionaram com a palavra kundalini. O significado etimológico da palavra é “a enroscada”. Quando uma serpente se encontra em um estado de inércia ou descanso prolongado, se enrosca sobre si mesma e fica na forma de um vulto. Parece não ter vida. Mas devemos entender que a poderosa serpente está morta? Não, ela despertará e se levantará de novo. Este será o estado de sua expressão plena; a condição anterior foi seu estado potencial, latente, imanifestado. É por isso que o termo técnico kundalini shakti, que tem sido traduzido por muitos como “a força serpentina”, é somente uma expressão metafórica. Em nossa linguagem moderna, bem poderia ser traduzida pela expressão científica “força potencial”...

 

          ...Todavia, a tradução de kundalini como “poder serpentino”, é responsável por muitas interpretações errôneas e ridículas a respeito dela. Muitas pessoas estão completamente mal informadas sobre a teoria; pensam que é um processo perigoso. Algumas pessoas chegam a acreditar que a kundalini é o monstro adormecido dos contos de fadas. Gostaria de deixar este ponto absolutamente claro: que não há nenhum perigo em despertar nossa perfeição potencial. De fato, é uma lástima que não saibamos como fazê-lo. Somos deuses! Mas por permitirmos que nossa divindade tenha ficado adormecida durante a eternidade, convertemo-nos em meros vermes da terra.

 

           Segundo este sistema de filosofia e yoga, há um centro na base da espinha dorsal onde esta energia potencial, ou kundalini, está latente.  A teoria é que todas as diversas formas de energia que conservamos ou manifestamos em nossas vidas viajam através de três canais especiais chamados nadis, situados dentro da espinha dorsal. Mas no centro da coluna vertebral, desde a sua base até os centros cerebrais, percorre o sushumna, que é o mais sutil e o mais importante deles.  Circundando este canal central, em forma de um número oito, estão os outros dois canais.  O canal do lado esquerdo, incluindo o corte transversal superior direito, chama-se ida e o canal situado no lado direito, incluindo o corte transversal superior esquerdo,  chama-se pingala.

 

          Esses três canais juntam-se três vezes: na base da espinha dorsal, no pescoço e no espaço entre as sobrancelhas. Na base, os canais ida e pingala se unem com um outro conduto, o sushumna; enquanto que nas outras duas conjunções (na altura do pescoço e entre as sobrancelhas) as correntes cruzam-se entre si sem que uma impeça a trajetória da outra. Na pessoa comum a passagem através do sushumna encontra-se inteiramente bloqueada. A energia corre somente através de ida e pingala na forma de oito. A matéria que detém a passagem para cima, pelo sushumna, é o estado latente da kundalini.  Em realidade, não deveria ser chamada de “matéria”, pois é uma forma muito sutil de energia potencial. Na base, o canal de ida e pingala assemelham-se a um tubo em forma de U, com um terceiro canal no meio, que se encontra com o U na sua curva. Imaginem que algum sedimento bloqueou a passagem pelo canal do meio, deixando aberto somente o conduto do U. Essa é a condição da pessoa comum. Este “sedimento”, ou substância espiritual que bloqueia a passagem pelo sushuma é o estado não desenvolvido de nossa espiritualidade. O empenho do yogue é abrir o canal do meio através de certas práticas de respiração e meditação.

          Já falamos anteriormente do exercício especial de respiração (pranayama) para abrir o sushumna. Esse exercício tem sido prescrito para o despertar do kundalini.  Quando a kundalini desperta ocorre algo como uma combustão que, num sentido espiritual muito sutil, gera calor e luz na base do sushumna. Com o despertar da kundalini, o yogue sente em verdade um calor e uma luz singulares e reconfortantes na base da espinha dorsal.  Ao despertar-se a kundalini se faz com que a mesma vá para cima por meio de uma forma muito simbólica de meditação, que desenvolve qualidades espirituais cada vez mais elevadas no homem.

 

          Este processo de desenvolvimento das qualidades superiores do homem tem sido belamente simbolizado com a ajuda de uma metáfora muito poética e significativa; a floração do lótus. Depois da flor de lótus se abrir, permanece fresca em seu caule por longo tempo; mas ao entardecer, quando o sol se põe, ela se fecha e se curva para baixo. Logo, ao despontar o sol na manhã seguinte, a flor se endireita novamente e gradualmente manifesta em toda a sua plenitude a sua floração e beleza. Este formoso e sugestivo fenômeno natural foi estudado pelos sábios, que o adotaram como um símbolo singular do desenvolvimento das qualidades espirituais do homem, com o advento da luz do entendimento à sua personalidade. À medida que a luz da kundalini viaja rumo acima pelo sushumna, toca e ilumina os diferentes centros, ou chakras, que estão simbolizados na forma de lótus. Antes do advento da luz da kundalini todos os lótus permaneciam murchos, por assim dizer, com os botôes encurvados para baixo e descoloridos. Mas tão logo a luz da kundalini toca um lótus, este se endireita e alcança a sua plena floração e beleza. Dessa maneira a luz da kundalini segue subindo e faz “florescer” diversas etapas de desenvolvimento no homem, até transcender todos os planos de consciência e entrar no plano superconsciente ou transcendental, que é simbolizado por um lótus de mil pétalas, situado nos centros cerebrais. Esse estado é concebido como um oceano de luz, conhecimento, existência e felicidade infinitos. A pequena luz da kundalini, ao dirigir-se pelo caminho ascendente, funde-se nesse oceano infinito de luz do lótus de mil pétalas, que marca a realização do estado mais elevado de samadhi...

 

Quarto exercício de meditação – Sentem-se em seu lugar de meditação, na postura correta, conforme já expusemos previamente. A seguir, lenta e suavemente façam o exercício de respiração número dois. Ao mesmo tempo imaginem um canal luminoso que percorre toda a extensão da espinha dorsal, desde a base até os centros cerebrais. Sintam que por meio deste exercício respiratório, e pelo poder do seu pensamento, esse canal foi destapado e que uma corrente constante de energia espiritual está entrando por ele através do conduto em forma de U, formado pela união de ida e pingala. Essa erupção da corrente despertou kundalini, que tomou a forma de uma pequena luz branca, brilhante, embora suave e sedante, como a chama de uma vela. Esta luz vai deslocando-se lentamente para cima através do canal sushumna.

 

          Em sua ascensão, a pequena luz toca e ilumina o primeiro centro, simbolizado por um lótus e situado dentro do sushumna num lugar pouco acima da base. Esse centro chama-se muladhara. Quando a luz toca o lótus, o mesmo se endireita e se abre, mostrando suas formosas quatro pétalas de cor vermelha brilhante, situadas ao redor de um disco da mesma cor.

 

          Em seguida imaginem a luz de kundalini viajando mais para cima, lenta e suavemente, até chegar ao segundo centro situado dentro do sushumna, no lugar que corresponde ao órgão genital. Este centro é conhecido como svadhisthana. Quando o lótus murcho deste centro é tocado e iluminado pela luz, ele se abre e mostra suas seis pétalas, situadas ao redor de um disco de cor bem vermelha.

 

          Deixando para trás este lótus, subam mais para cima com a luz da kundalini que ascende ao terceiro centro, situado no lugar que corresponde ao umbigo. Esse centro é chamado por manipura e é representado por um lótus de dez pétalas de cor escarlate (vermelho encarnado), situadas ao redor de um disco do mesmo matiz. A luz da kundalini faz com que o lótus caído se erga sobre seu caule, saudável, brilhante e formoso.

 

          A luz da kundalini move-se para cima e alcança o lugar que corresponde ao coração. Toca e ilumina o lótus e leva-o a um estado de saúde, florescimento e beleza perfeitos. Esse é o quarto centro e é chamado de anahata, é representado por um lótus de doze pétalas de cor azul brilhante e manifesta maravilhosas qualidades espirituais na personalidade do yogue.

 

          A luz prossegue mais para cima e chega à região que corresponde ao pescoço. Esse centro é o quinto centro e é chamado por vishuddha. Como nos chakras anteriores, o lótus murcho é tocado e iluminado pela luz de kundalini. Lenta e suavemente ele se ergue sobre o seu caule e alcança plena floração. O lótus aberto mostra dezesseis pétalas, situadas ao redor de um disco de cor gris ou cinzenta clara. Com o desenvolvimento deste plano de consciência se manifestam maravilhosas qualidades espirituais na personalidade do yogue e todo o seu sistema se carrega e se satura com a alegria do desenvolvimento deste centro místico.

 

          A luz viaja ainda mais para cima e chega à região do sexto centro chamado de ajña, que corresponde ao espaço entre as sobrancelhas. Esse lótus de duas pétalas, com o toque da divina luz de kundalini se levanta e se abre, emitindo o resplendor de uma luz branca maravilhosa. A luz deste centro se emana na forma de uma formosa aura que rodeia a cabeça. Com o desenvolvimento deste estado de consciência, o yogue sente a suprema felicidade da compreensão e da penetração divinas nos profundos mistérios do universo. Fica cara a cara com a verdade. Não há nada que ele não saiba. Todo seu ser é iluminado pela luz do conhecimento. Ele é, em carne e osso, a divina manifestação do conhecimento absoluto. O yogue experimenta uma maravilhosa sensação de alegria ao dar-se conta de sua unidade com AQUELE QUE TUDO SABE. Mas ainda existe uma pequena diferença. A consciência de sujeito e objeto continua ali: o yogue conhece a verdade mas continua distinto dela.

 

          A luz da kundalini sobe ainda mais e deixa o canal do sushumna. No centro cerebral está o lugar do sétimo centro chamado de sahasrara, o lótus de mil pétalas, símbolo do estado transcendental da existência, do conhecimento e da felicidade absolutos. Imaginem o estado transcendental em forma de um oceano de luz brilhante e refulgente, fresca, sedante e pacífica. Logo que a pequena luz da kundalini deixa o canal sushumna, penetra neste oceano de luz. Da mesma maneira que uma gota de água quando cai no oceano infinito se torna uma e inseparável dele, a luz finita da kundalini se torna uma com a infinita luz da existência, do conhecimento e da felicidade absolutos.

 

          Quando tenham alcançado esse ponto em sua meditação, sintam que seu pequeno “eu”, seu pequeno ego, sua personalidade limitada, transcendeu todos seus limites e já não tem nenhum corpo, nenhuma mente, nenhum amigo ou inimigo. Vocês são o princípio absoluto. Não tem nenhum nascimento, nenhuma enfermidade, nenhuma morte, nenhuma felicidade, nenhuma dor: estão além de todos os pares de opostos. Vocês são existência, conhecimento e felicidade infinitos. Façam então a seguinte afirmação: “Não sou nem o corpo nem a mente. Sou o princípio infinito e universal. Não tenho nenhum amigo ou inimigo. Não sinto nenhum prazer nem dor. Sou essa absoluta, imutável, imortal, eterna e infinita verdade. Estou além de todos os pares de opostos. Nada pode tocar-me. Não existe nada mais. Sou o todo, o todo está em mim. Isso sou. Eu sou Isso”.  

 

ref. ensinamentos do Swami Gnaneswarananda do Livro “Meditação - Método e Prática”.

 

 

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